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2025/05/19

Violência sexual infantojuvenil: o crime silencioso que exige vigilância e ação coletiva

 

Em um país onde os direitos da infância estão garantidos pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é alarmante constatar que milhares de meninas e meninos continuam sendo vítimas de uma das formas mais cruéis de violação: o abuso e a exploração sexual. O inimigo, muitas vezes, não está nas ruas — mas entre quatro paredes, dentro do ambiente doméstico, onde o silêncio se impõe e a dor se esconde.




Violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil


De acordo com dados do Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Brasil registrou mais de 82 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2024. A maioria envolve meninas entre 10 e 14 anos, e o principal agressor é alguém conhecido da vítima — geralmente um parente, padrasto, tio, irmão ou vizinho.


A psicóloga clínica Ana Paula Mendes, especialista em traumas infantis, explica que “o abuso sexual infantil não é apenas um ato isolado, é uma violação contínua que destrói a autoestima, afeta o desenvolvimento emocional e muitas vezes silencia a vítima por toda a vida”. Ela afirma que o medo, a vergonha e a dependência emocional ou econômica da criança em relação ao agressor são os principais fatores que impedem a denúncia.

A casa como cenário de crime



Ao contrário do que muitos imaginam, os abusos raramente ocorrem em ambientes públicos. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em mais de 70% dos casos, o abuso ocorre dentro de casa, e em cerca de 80% dos registros, o agressor é alguém próximo da vítima. Esse dado revela um padrão recorrente e assustador: o abuso sexual infantil é, muitas vezes, cometido por quem deveria proteger.


A violência contra crianças é generalizada e afeta milhões de crianças.



“Recebemos casos em que o abusador é o pai biológico, o padrasto, ou mesmo irmãos mais velhos. Isso gera uma confusão profunda na cabeça da criança, que muitas vezes não entende que está sendo violentada”,
diz Juliana Tavares, conselheira tutelar em São Paulo. Ela ressalta que o acolhimento inicial deve ser feito com extrema sensibilidade: “Uma palavra errada pode retraumatizar a vítima ou fazer com que ela recue.”

Subnotificação: o silêncio que encobre a violência

A cada denúncia registrada, estima-se que ao menos nove casos não são comunicados às autoridades. A subnotificação é um dos maiores desafios no combate à violência sexual infantojuvenil. Por trás dos números oficiais, há uma realidade ainda mais cruel e invisível.

“O abuso sexual infantil é um crime silencioso. E esse silêncio é sustentado por uma cultura que, muitas vezes, desacredita a vítima, culpa a mãe, ou relativiza o comportamento do agressor”, afirma Carla Ferreira, promotora da Infância e Juventude no estado da Bahia. Segundo ela, o rompimento do silêncio depende de uma rede de proteção eficiente e de uma sociedade disposta a olhar para o problema com coragem.

As marcas do trauma

Os efeitos da violência sexual na infância são profundos e duradouros. Além das consequências físicas, a criança abusada pode desenvolver transtornos de ansiedade, depressão, dificuldades escolares, automutilação e até tendências suicidas. Muitas vítimas só conseguem relatar o que viveram anos depois, já na vida adulta, quando buscam atendimento psicológico.

Letícia (nome fictício), hoje com 27 anos, sofreu abusos do padrasto dos 9 aos 14 anos. Só conseguiu falar sobre o que viveu após os 20, durante uma crise de pânico. “Durante anos achei que a culpa era minha. Que ninguém iria acreditar. Hoje sei que eu era só uma criança”, conta.

A história de Letícia é semelhante à de milhares de outras vítimas. O silêncio, imposto pelo medo ou pela manipulação do agressor, retarda a responsabilização criminal e compromete o acesso à reparação.

Como identificar e agir


Sinais como mudanças bruscas de comportamento, isolamento, regressão (como voltar a urinar na cama), queda no desempenho escolar, agressividade ou medo de determinadas pessoas devem ser observados com atenção. Esses podem ser indicativos de abuso, e não devem ser ignorados.

Ao suspeitar de um caso de violência sexual contra criança ou adolescente, a denúncia é obrigatória — mesmo que não haja certeza absoluta. Pode ser feita de forma anônima por meio do Disque 100, pelo Conselho Tutelar local, ou em delegacias especializadas. Também é possível acionar o Ministério Público e os serviços de saúde e educação, que são obrigados por lei a notificar suspeitas.

A responsabilidade é de todos


A luta contra a violência sexual infantojuvenil não é tarefa exclusiva das autoridades. É uma responsabilidade coletiva que envolve famílias, escolas, profissionais de saúde, vizinhos e toda a sociedade. Promover o diálogo aberto com as crianças, ensinar sobre o respeito ao corpo e reforçar que elas têm o direito de dizer "não" são medidas fundamentais para a prevenção.

O 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, é um marco simbólico dessa luta. Mas a mobilização precisa ser diária, constante e articulada.

“Precisamos entender que o silêncio é cúmplice. Fingir que não vê é legitimar a violência. Denunciar é um ato de proteção, de coragem e de amor ao próximo”, conclui a psicóloga Ana Paula Mendes.

SERVIÇO – Onde denunciar:



Disque 100 – Central de Direitos Humanos (atendimento 24h, gratuito e anônimo)

Conselho Tutelar – em qualquer cidade do Brasil

Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente

Aplicativo Direitos Humanos Brasil (Android e iOS)

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